Homens,
pais e vítimas de violência doméstica
O número
de homens vítimas de violência doméstica é cada vez maior e
julgar que as agressões delas são menos violentas é incorrer
num lugar-comum grave. Conheça a história de João Paiva Santos, que
resolveu contar o que outros homens cada vez mais têm vergonha de
denunciar.
Vanessa Sardinha (reportagem), Carlos Paes
(infografia), Fernando Pereira (vídeo)
Quarta feira,
28 de novembro de 2012
Os dados nacionais
cedidos ao Expresso pela direção de investigação criminal da GNR, em 2011,
registam 848 casos de homens, entre os 18 e os 64 anos, agredidos pela mulher
ou ex-companheira. Este ano, só no primeiro semestre já foram registados 457
casos.
Estes dados, no
entanto, não refletem o que se passa na realidade. Sabe-se que são muitos os
crimes desta ordem que ficam por confessar ou aqueles em que o histórico de
violência contínua só é conhecido quando a vítima morre às mãos da agressora.
Straus Murray,
co-fundador do laboratório de pesquisa familiar da Universidade New Hampshire,
escreveu, num dos seus estudos sobre o tema, que "se uma mulher é agredida
pelo marido a cada 15 segundos, um homem é agredido pela mulher a cada 14,6
segundos".
O professor sem medo
No decorrer desta
reportagem, o Expresso teve uma enorme dificuldade em encontrar homens que
apesar de reconhecerem ser vítimas de violência doméstica aceitassem falar,
ainda que sob anonimato. Apenas um aceitou dar o seu testemunho, acreditando
que esta pode ser uma forma de "encorajar outros homens" na mesma
situação.
João Paiva Santos é
professor no Instituto Politécnico de Beja e deu a cara pela sua história. Com
44 anos, João sabe bem o peso da violência que nem sempre é física. Durante cerca
de 20 anos foi agredido várias vezes, perdeu a autoestima, a casa. E agora luta
nos tribunais para poder continuar a ver os filhos (veja a reportagem no vídeo 1 nesta mesma página).
O Expresso tentou
variadas vezes confrontar a ex-mulher de João Paiva Santos, mas esta recusou
sempre falar, alegando agir assim a conselho da sua advogada.
A violência doméstica
é um crime sem sexo - as mulheres deixaram há muito tempo de ser as únicas
vítimas. Elas também agridem os companheiros e, muitas vezes, usam - e abusam -
de violência camuflada. A constante desvalorização do outro, os ciúmes e a
pressão psicológica são retratos do dia a dia de muitos homens.
Crimes igualmente violentos
Sim, elas também usam
a força. E não, não é por muitas serem mais fracas fisicamente que agridem com
menos violência.
Tal como explicou ao
Expresso Adelina Barros de Oliveira, juíza do Tribunal da Relação de Lisboa, as
mulheres agridem "com o que têm à mão. E o que têm à mão normalmente não é
leve". Ao que se alia muitas vezes "alguma ou muita maldade" (veja a entrevista na íntegra no vídeo 2
nesta mesma página).
Pior: são cada vez
mais os casos de violência doméstica contra homens que terminam em homicídio ou
em que eles são vitimados com requintes de malvadez. A propósito disto, Daniel
Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), recorda casos de
homens que viviam constantemente com medo de serem envenenados ou foram
perseguidos e atropelados pelas mulheres e companheiras.
País não está preparado para lidar com o fenómeno
Durante a entrevista
ao Expresso, o mesmo responsável da APAV admite que a sociedade e as
organizações "não estão preparadas para receber este tipo de vítima".
O facto é que Portugal não tem associações que recebam em exclusivo homens
vítimas de violência doméstica, muito menos as chamadas casas-abrigo para os
agredidos e perseguidos, à semelhança do que acontece com as mulheres que são
vítimas.
A subcomissária da
divisão de investigação criminal da PSP, Angelina Ribeiro, considera que os
casos de violência doméstica contra homens estão a "aumentar
significativamente" e que já justificavam a existência destas casas de
apoio. A agente salienta que é necessário um maior alerta para este tipo de
crime que, sendo público, cabe a todos denunciar.
Mas é ainda entre
quatro paredes que ficam escondidos muitos destes crimes. Atormentados pela
vergonha, a maioria dos homens continua a não admitir ser vítima nas mãos de
uma mulher e muito menos têm a coragem de apresentar queixa junto das
autoridades.
Além da vergonha e do
medo de represálias por parte de uma sociedade que, de acordo com as palavras
do bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, é "profundamente
machista" (veja a entrevista na
íntegra no vídeo 3 nesta mesma página), existe um vincado sentimento de
"amor-ódio" por parte da vítima em relação ao agressor - conforme
explica o sociólogo Pedro Vasconcelos.
Já o psicólogo Vitor
Cláudio vai mais longe nesta explicação e acrescenta que, nestes casos, a
vítima simplesmente "não vê caminho" e rende-se à inevitabilidade da
relação (veja a entrevista na íntegra no
vídeo 4 nesta mesma página).
O pior pode ainda
acontecer quando, de acordo com o mesmo especialista, a maior parte destes
quadros relacionais se repete nos relacionamentos seguintes. Ou seja, o
indivíduo tem uma tendência natural para se relacionar novamente com um outro
agressor, criando um ciclo sentimental vicioso.
Afinal,
eles também choram
A cortina da vergonha,
o preconceito de que um homem não chora e o tabu social que envolve o tema
continuam a acalentar a ideia erradíssima de que a mulher é a única vítima de
violência doméstica.
Tal como acontece no
caso das mulheres vítimas de violência doméstica, estamos perante um crime
público onde a sociedade insiste na postura de não querer "meter a
colher". Certo é que (como mostra o
vídeo 'números' que acompanha esta reportagem), cada vez mais os homens
também choram e maioria deles longe de tudo e de todos.