terça-feira, 20 de maio de 2014

Na violência doméstica a mulher é vítima e cúmplice do agressor

JusJornal, N.º 1919, 19 de Maio de 2014
JusNet 498/2014
  • De acordo com o psicólogo forense Mauro Paulino, autor de um estudo sobre a caraterização das vítimas de violência conjugal, a mulher é vítima mas também cúmplice da violência doméstica, o que obriga a uma mudança de paradigma na forma de intervir.
A mulher é vítima, mas também cúmplice da violência doméstica e isso obriga a uma mudança de paradigma na forma de intervir, defende o psicólogo forense Mauro Paulino, autor de um estudo sobre a caraterização das vítimas de violência conjugal.
O estudo, Vítima ou Cúmplice? Caraterização da mulher vítima de violência conjugal na região de lisboa e Vale do Tejo foi realizado com base em 76 entrevistas e análise de 458 processos da delegação de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal.
Em declarações à agência Lusa, Mauro Paulino defendeu que a mulher que é agredida tanto é vítima como cúmplice, mas fez questão de clarificar que isso não significa que esteja a defender que a mulher é de alguma forma culpada.
Enquanto técnicos e profissionais temos de honrar a ciência e a ciência é fria a ler os dados. Então, temos de responsabilizar uma mulher que fica 13 anos numa relação violenta, disse.
É claro que compreendemos o contexto violento, ameaças de morte, essas questões todas, mas ainda assim temos de mostrar a estas senhoras que existe um apoio social, técnicas de intervenção que lhes permitem sair daquela situação, acrescentou.
Defendeu, assim, a necessidade de se ir além de uma intervenção do ponto de vista social, partindo para uma intervenção mais profunda, ao nível da parte psicológica.
A investigação mostra-nos que todos temos determinados padrões de relacionamento que se não forem alterados, faz com que esta vítima saia de uma relação e muito provavelmente vá procurar um outro companheiro com as mesmas características, explicou.
Essa intervenção passa por explicar à vítima que o entendimento que ela tem de si e da situação potencia a relação violenta e potencia que volte a entrar numa relação violenta.
Aquilo que acontece num processo psicoterapêutico não é mudar o mundo, é transformar a forma como a pessoa se entende a si, aos outros e aos eventos da sua vida. Quando isto se consegue alterar, vai mudar o tal padrão de relacionamento, referiu.
Com base nos dados do estudo, Mauro Paulino concluiu que o que está a ser feito em matéria de intervenção é pouco e defendeu mais ação ao nível da prevenção, sustentando que a violência doméstica é um problema de saúde pública.
Está comprovado que as vítimas vão mais vezes aos hospitais, estão mais tempo de baixa, são pessoas que produzem menos e isto tem também uma vertente económica.
No entender do investigador, há também um completo desfasamento entre os horários de funcionamento dos gabinetes e linhas de apoio, apontando que muitos funcionam das nove à uma e das duas às cinco, quando a maior parte das agressões acontecem ao fim-de-semana e à noite, principalmente entre as 19:00 e as 24:00.
Questionou igualmente a formação dos agentes da PSP e da GNR, dando como exemplo o caso de uma mulher que pede ajuda às autoridades, vai para uma casa abrigo e depois volta para o marido.
Quando voltou a pedir ajuda, os polícias, à frente dela, fizeram apostas para ver quanto tempo é que ela durava na casa abrigo, contou.
Mauro Paulino defende igualmente uma intervenção nas escolas porque o estudo permitiu constatar que muitas mulheres não se reconhecem enquanto vítimas quando sofrem a primeira agressão, o que faz com que desvalorizem a situação e não peçam ajuda.

Vítimas de violência doméstica demoram, em média, 13 anos a terminar relação.
Uma mulher vítima de violência doméstica demora, em média, 13 anos até terminar a relação e são as católicas aquelas que banalizam mais os atos violentos, concluiu um estudo sobre a caraterização das vítimas.
Em média, as vítimas demoram 13 anos até conseguirem terminar uma relação agressiva em que tenham estado, disse Mauro Paulino.
Por outro lado, o investigador apontou que as crenças são uma forte influência na forma como as vítimas percecionam e vivem a relação.
Segundo Mauro Paulino, quantas mais forem as crenças, maior é o tempo que uma mulher está na relação, quando estão em causa crenças que facilitam e banalizam a violência, dando como exemplo o caso das católicas.
As mulheres católicas banalizam mais a violência dos que as restantes, aceitando o seu papel na relação agressora, como se o facto de serem católicas fizesse com que banalizem a violência, atribuindo a culpa dessa violência a elas próprias, apontou.
No entanto, para o investigador, a importância da crença diminui tanto mais quanto maior for o nível de escolaridade.
A escolaridade influencia no sentido de haver menos tolerância a qualquer tipo de violência, não se aceitando algumas desculpas que as vítimas com menos escolaridade tendem a aceitar, explicou.
Em 81,6% dos casos, as mulheres admitiram que os filhos assistiram aos atos de violência de que foram alvo, sendo que os comportamentos mais frequentes dos filhos foram chorar (72%), apoiar e dar razão à vítima (48%) e incentivar a separação (37%).
Aliás, 26 mulheres (34,2%) revelaram que os filhos foram a razão para manter a relação conjugal, vindo em segundo lugar (18,4%) o facto de ainda gostarem do agressor.
Na maior parte dos casos que o investigador estudou, a violência começou no namoro e o casamento não revelou ser fator de mudança, muito pelo contrário, já que as agressões continuaram a acontecer e tenderam a agravar.
Sobre o grau de sofrimento provocado pelas agressões, apontou que são as psicológicas aquelas a que as vítimas atribuem um maior nível de sofrimento.
Em sua opinião, esta constatação deita por terra a crença de que só aquilo que deixa marca é que é uma lesão ou uma agressão grave.
O investigador chegou também à conclusão de que as vítimas demoram muito tempo a pedir ajuda e que, num número significativo de casos, pedem ajuda à família, mas esta nem sempre apoia.
Em relação às 76 mulheres entrevistadas, a maioria (85%) era de nacionalidade portuguesa, com estudos ao nível do 3.º ciclo (35,5%), casadas ou em união de facto (40,8%), desempregadas (32,9%), com idades entre os 35 e os 39 anos (17,1%).
Mostraram dificuldade em tomar decisões sozinhas (57,9%), em iniciar projetos ou fazer coisas por sua conta e quase metade (48,7%) revelou não saber lidar com o facto de estar sozinha.
Em 93,4% dos casos foram agredidas repetidamente, entre agressões físicas (80,26%), agressões psicológicas (89,47%) e agressões sexuais (32,89%). 34 mulheres foram mesmo agredidas fisicamente durante a gravidez e cinco acabaram por perder o bebé.
(Fonte: Agência Lusa)

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